domingo, 27 de março de 2011

Às mulheres de verdade





Houve um tempo em que as mulheres eram consideradas seres sagrados por sua sensibilidade, intuição e natural capacidade de se conectar com o todo.

Como parte da natureza, não era preciso lutar contra ela ou modificá-la, era mais uma questão de sentir e entender, para conjugar forças e potencialidades.

Assim como as marés cumpriam seus ritmos, os astros e a terra seus ciclos, as mulheres compartilhavam sua própria natureza buscando o equilíbrio, a beleza e a compaixão.

Esse foi um tempo distante. Talvez  por isso hoje, é  tão difícil nos conectarmos com nossa natureza feminina sagrada.

Do tempo das mulheres celtas, passando pela Inquisição na Idade Média, nos convenceram que nossa intuição era bruxaria.
Nossa natureza sensual e tudo que em nós era genuinamente belo foi ligado ao pecado, e ainda hoje carregamos essa culpa do “pecado original”.

Cada mulher de hoje trás em si, tanto sua natureza sagrada quanto a culpa universal pelos pecados de toda a humanidade.

Passamos de seres que buscavam a completude para seres que temem-se uns ao outros. Homens e mulheres assustados, que aprenderam pelo medo modelos de relacionamentos que em nada favorecem o crescimento um do outro, mas que pelo medo busca a opressão da mulher e o sufocamento de suas potencialidades.

A mulher conduziu o homem ao pecado (pelo menos foi assim que nos fizeram acreditar) , e nem a mãe do próprio Cristo foi capaz de nos livrar desta culpa que nos impomos inconscientemente.

O próprio livro sagrado coloca a sexualidade como algo pecaminoso e mal, e nos reafirma isso quando nos diz que Eva não concebeu Jesus como o próprio Deus criou ( por que Deus violaria suas própria leis de criação? ) .
É por isso que quando um homem encontra-se com uma mulher, na verdade, intuitivamente esta passando o véu dos tempos e entrando em contato com o arquétipo do que há de mais sagrado e mais amaldiçoado também, já que representa a rendição, o perdão do mundo, um reconectar-se com a sacerdotiza dos tempos.
O reconhecimento da nossa própria humanidade tanto sagrada quanto mítica é um vislumbre de como poderíamos ter sido como human- unidade.
É preciso que a mulher como ser universal, entre em contato com seu eu mais sagrado. Que volte-se para dentro de si mesma e se reencontre com toda sabedoria que nos foi legada por todas as mulheres que nos precederam históricamente.
Que nossa liberdade de ser mulher seja um tributo às mulheres de antigamente... às mulheres de Atenas, às celtas...

E à todas as mulheres que tem coragem de ser mulher em toda sua integridade e feminilidade, mas que também não se furta jamais da responsabilidade de levar doçura, sabedoria e compaixão para todos os seres.

Que todos os dias possam ser vividos com liberdade de escolha por nós mulheres.
Mas que essas escolhas nos conduzam sempre, a dias de mais completude e de maior integridade.

Que o caminho a  seguir seja sempre na direção do reencontro sincero consigo mesmas e com o outro.

Que elas possam ter algo mais do que uma pele brilhante ou um corpo perfeito.
Mas que possam sempre ter algo a oferecer em alento, abrigo ou conforto.Seja em palavras, gestos  ou somente a escuta.

Que e através disso elas descubram sua verdadeira natureza feminina e a "felicidade calma" que vem da descoberta do sentido da própria existência.


Flor de Lótus de Origami



A flor de lótus é uma flor dotada de muitos significados.
Ela floresce em meio ao lodo. Retira da lama em que se encontra a matéria-prima que necessita para erguer-se linda e pura.

Em muitas culturas ela representa a pureza da alma. Mas também podemos fazer uma analogia com relação ao mundo em que vivemos.
Por tantas vezes, uma situação desfavorável ou até mesmo uma palavra que nos magoe vinda de alguém, pode também servir de instrumento para lapidar o nosso espírito.

Um grande mestre chamado Shantideva em um de seus versos do Guia para o Bodhisattva nos diz:


"Se alguém a quem ajudei
Ou em quem depositei grandes esperanças
Maltratar-me e magoar-me profundamente,
Espero ainda poder considerá-lo como um precioso mestre."

Que sejamos como a flor de lótus que retira das experiências da vida o material psíquico que necessita para nos tornarmos pessoas melhores e mais felizes para nós mesmos e para o mundo.
E que as pessoas que por ventura atravessarem nosso caminho possam ser consideradas nossos mestres espirituais e objetos de nossa prática de paciência e generosidade afetuosa.





segunda-feira, 21 de março de 2011

Pertencer...Clarice Lispector




Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.

Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.

Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.

Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.

Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.

No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança.

Mas eu, eu não me perdôo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho!

Clarice Lispector





Ah ! A receita né?
Pois hoje não tem receita não.
Ou melhor , minha receita de hoje é:

Siga seu próprio caminho. Não escolha o caminho  mais fácil mas o que te faz mais feliz!
E se derepente tiver percebido que errou a estrada...Volte! Corra! Comece de volta!
Sempre é tempo de ser mais feliz e fazer o outro  mais feliz também!